A torá e os
ensinos de Yeshua
No Sermão da
Montanha, existem seis momentos em que Yeshua usa a seguinte
fórmula: “Ouviste que foi dito... Mas eu vos digo”. Há pessoas
que usam estes textos como tentativa de provar que a Lei foi revogada. Não
obstante, se pesquisarmos com minudência o discurso do Mashiach, verificaremos
que Yeshua não está declarando a abolição da Lei (Torá), mas sim sua vigência.
Senão vejamos.
A) A questão do
homicídio
“Vocês ouviram o que
foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’, e ‘quem matar estará sujeito a
julgamento’.
Mas eu lhes digo que
qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também,
qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao tribunal. E qualquer
que disser: ‘Louco!’, corre o risco de ir para o fogo do Guey Hinom”
(Matityahu/Mateus
5:21-22).
Na passagem referida,
Yeshua cita a proibição do homicídio que está prevista na Torá (Ex 20:13; Dt
5:17). Já que uma das funções do Mashiach é interpretar a Torá e lhe revelar os
significados mais profundos e até então ocultos, Yeshua explica que a ira
contra seu irmão é equiparada ao homicídio. Em sentido parecido, consta do
Talmud Bavli, no tratado de Bava Metzia:
“Aquele que
publicamente avilta seu próximo age como se derramasse seu sangue”
(m. Bava Metzia 58b).
Ora, já que a Torá
proíbe tanto o assassinato (Ex 20:13 e Dt 5:17) quanto o rancor (Lv 19:18), o
Mashiach os colocou em um mesmo patamar, demonstrando o alto grau de santidade
que deve ser vivido por seus discípulos. Assim fazendo, o Mashiach não
invalidou a Torá, mas lhe deu uma interpretação mais rigorosa.
Consoante o
pensamento de Yeshua e de outros rabinos, a violação de um mandamento menor
(ex: rancor contra o próximo) pode levar à transgressão de um maior (ex:
homicídio). Consequentemente, deve o homem cumprir o mandamento menor para que
não seja levado à infração de mandamento mais grave. Mister citar o Midrash
tanaítico, Sifre de Devarim/Deuteronômio 19:10-11:
“Para que sangue
inocente não seja derramado... e assim a culpa do derramamento de sangue
recairá sobre ti... Mas se um homem odeia seu vizinho, o espera no caminho e o
ataca... A este respeito foi dito: Um homem que transgredir um mandamento leve
acabará por transgredir um mandamento pesado. Se transgredir ‘Amarás o
teu próximo como a ti mesmo’ (Lv 19:18), acabará por transgredir ‘Não
te vingarás e não guardarás rancor’(Lv 19:18). Daí, ‘Que seu irmão
possa viver a teu lado’ (Lv 25:36) até quando ele derramar sangue”.
Conclui-se, pois, que
Yeshua desenvolveu um típico raciocínio rabínico de que tanto o homicídio quanto
o rancor devem estar longe do homem, já que ambos são proibidos pela Torá.
B) A questão do
adultério
“Ouvistes que
foi dito aos antigos: Não cometerás adultério.
Eu, porém, vos digo
que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu
adultério com ela”
(Matityahu/Mateus
5:27-28).
De um modo geral,
teólogos cristãos asseveram que Yeshua criou um novo mandamento, uma vez que a
Lei proibia o adultério e o Mashiach inovou ao vetar a simples cobiça com os
olhos. Tal raciocínio está complemente equivocado. Senão vejamos.
A Torá tanto proíbe o
adultério quanto a mera cobiça:
“Não adulterarás”
(Shemot/Êxodo 20:14)
“Não cobiçarás a casa
do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu
servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do
teu próximo”
(Shemot/Êxodo 20:17).
Então, Yeshua estava
corrigindo a falsa instrução de que somente o adultério é pecado, e que a
cobiça não consistia em transgressão aos mandamentos do ETERNO. O reparo efetuado
pelo Mashiach demonstra que ambas as condutas (adultério e cobiça) são
desaprovadas pela Torá de YHWH.
À luz do
judaísmo dos essênios, cujas ideias possuem profunda relação com as lições de
Yeshua, cobiçar com os olhos é sinal de impiedade. É o que se lê dos
Manuscritos do Mar Morto:
“Pois isto é o que
disse [Hc 1:13a]: ‘Teus olhos são demasiado puros para ver o mal’. Sua
interpretação: que seus olhos não os arrastam para a luxúria na época
da impiedade”
(Pesher de
Havakuk/Habacuque, Col.V, linhas 6-7).
“Agora, pois, filhos
meus, escutai-me e eu abrirei vossos olhos para que vejais e compreendais as
obras de Elohim, para que escolham aquilo que lhes compraz e rejeiteis o que
odeiam, para que caminheis perfeitamente por todos os seus caminhos e não
vos deixeis arrastar pelos pensamentos da inclinação culpável e dos olhos
luxuriosos”
(Documento de
Damasco, Col.II, linhas 14-16).
Na mesma linha, o
judaísmo rabínico, derivado do farisaísmo, também equipara a cobiça ao
adultério. Contém o Talmud Bavli:
“Aquele que olha com
cobiça para o pequeno dedo de uma mulher casada é como se já tivesse cometido
adultério com ela”
(Kalá, capítulo 1).
O Midrash Rabá de
Vayikrá (Levítico) dispõe:
“Não é somente o que
peca com seu corpo que é chamado de adúltero, mas aquele que peca com seu olho
também é assim chamado”
(XXIII, 12).
Logo, a lição de
Yeshua sobre o adultério em pensamento se harmoniza perfeitamente com a Torá,
bem como com o judaísmo antigo.
C) A questão do
divórcio
“Também foi dito a
respeito de quem quer repudiar sua mulher: deve escrever uma carta de divórcio
e dar a ela, mandando-a para longe de sua casa.
Mas eu lhes digo:
qualquer que repudia sua mulher, exceto por causa de prostituição, comete
adultério contra ela, e quem toma a mulher repudiada comete adultério”
(Matityahu/Mateus
5:31-32. Tradução direta do Manuscrito DuTillet em hebraico)
Existe uma
contradição aparente (e não real) entre a Torá e o escólio de Yeshua. Aqueles
que defendem que “Yeshua revogou a Lei” dizem: a Lei permitia o divórcio,
porém, o Salvador o proibiu, exceto no caso de adultério.
Coteje os versos
acima transcritos com estas palavras do Mashiach:
“Então chegaram ao pé
dele os p’rushim [fariseus], tentando-o, e dizendo-lhe: É lícito ao homem
repudiar sua mulher por qualquer motivo?
Ele, porém,
respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que os fez no princípio
macho e fêmea os fez,
E disse: Portanto,
deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne?
Assim não são mais
dois, mas uma só carne. Portanto, o que Elohim ajuntou não o separe o homem.
Disseram-lhe eles:
Então, por que mandou Moshé [Moisés] dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?
Disse-lhes ele: Moshé
[Moisés], por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas
mulheres; mas ao princípio não foi assim.
Eu vos digo, porém,
que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação, e
casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete
adultério”
(Matityahu/Mateus
19:3-9).
Os p’rushim
(fariseus) sustentaram que o divórcio é permitido pela Torá, o que é verdade,
consoante o seguinte texto:
“Se um homem tomar
uma mulher e com ela consumar o casamento, e depois passar a não se agradar
mais dela, por ela lhe ter feito alguma coisa ofensiva, ele escreverá para ela
um certificado de divórcio, dará a ela o certificado e a mandará embora para
sua casa”
(Devarim/Deuteronômio
24:1)
Já que os p’rushim
defenderam o divórcio com fundamento na Torá, Yeshua usa a própria Torá para
demonstrar que o ETERNO não aprova a separação (exceto no caso de adultério):
TORÁ |
ENSINO DE YESHUA EXTRAÍDO DA TORÁ |
“E criou Elohim o homem à sua imagem: à imagem de Elohim o criou;
homem e mulher os criou” (Gn 1:27) “Homem e mulher os criou; e os abençoou...” (Gn 5:2) “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua
mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2:24). |
“Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea
os fez, e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua
mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só
carne. Portanto, o que Elohim ajuntou não o separe o homem” (Mt 19:4-6). |
Após o Mashiach
explicar que a Torá é contra o divórcio, falou o motivo pelo qual Moshé
(Moisés) permitiu a separação: “Moshé, por causa da dureza dos vossos
corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não
foi assim” (Mt 19:8). Ou seja, Yeshua explica que somente os duros de coração
se divorciam e que no princípio não era assim. A
expressão “no princípio”, em hebraico, é bereshit (בראשית), que é o nome semita
do livro de “Gênesis”. Então, o Mashiach quis demonstrar que antes da queda do
homem, e o ingresso do pecado no mundo, planejou o ETERNO a indissolubilidade
do vínculo matrimonial, estado ideal que deve ser mantido por aqueles que não
têm o coração embrutecido. Trata-se da aplicação do princípio judaico de
interpretação conhecido como “yesod habriah” (o princípio/fundação da criação),
ou seja, a pessoa deve tentar viver conforme as regras estabelecidas pelo
ETERNO “no princípio”, antes da queda do homem.
Em suma, a mesma Torá
usada pelos fariseus para justificar o divórcio também foi manejada por Yeshua
para provar que o ETERNO não aprova a separação, já que no princípio criou
homem e mulher para que ambos fossem uma só carne. Esta interpretação de Yeshua
não é novidade em termos do Judaísmo antigo, visto que, em período anterior, os
essênios defendiam a indissolubilidade do matrimônio e criticavam os fariseus
por tomarem mais de uma esposa durante suas vidas:
“Os construtores de
muros [=fariseus] ... são capturados duas vezes na fornicação: por
tomar duas mulheres em sua vida,apesar de que o princípio da criação é:
‘macho e fêmea os criou’”
(Documento de
Damasco, Col.IV, 19-21).
Contemporâneo de
Yeshua, o rabino Shamai (50 A.C a 30 D.C), que era fariseu, também pregava que
o divórcio somente seria admitido em caso de adultério, extraindo este
entendimento a partir do texto de Devarim/Deuteronômio 24:1: “Se um
homem tomar uma mulher e com ela consumar o casamento, e depois passar a não se
agradar mais dela, por ela lhe ter feito alguma coisa ofensiva, ele
escreverá para ela um certificado de divórcio...”. Segundo a letra da Torá,
para ocorrer o divórcio, a mulher precisa “ter feito alguma coisa ofensiva”, o
que significa, na visão de Shamai, o cometimento de adultério.
Conclusão: a
interpretação do Mashiach sobre a indissolubilidade do casamento é pautada na
Torá, em conformidade com o judaísmo essênio e com o judaísmo farisaico de
Shamai.
D) A questão dos
juramentos
“Outrossim, ouvistes
que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos a
YHWH.
Eu, porém, vos digo
que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Elohim;
Nem pela terra,
porque é o escabelo de seus pés; nem por Yerushalayim [Jerusalém], porque é a
cidade do grande Rei;
Nem jurarás pela tua
cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto.
Seja, porém, o vosso
falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna”
(Matityahu/Mateus
5:33-37)
Mais uma vez aparece
uma suposta contradição entre Yeshua, que proíbe os juramentos, e a Torá, que
os permite (Lv 19:12, Dt 10:20 e Nm 30:3 ou, nas versões cristãs, Nm 30:2).
A Torá não proibe os
juramentos, mas proibe os falsos juramentos (Lv 19:12). A partir deste
conceito, no Judaísmo antigo desenvolveu-se o entendimento de que seria
desnecessário firmar um voto, já que a pessoa deveria ter tamanha idoneidade
que suas palavras valessem como juramento.
Tendo vivido na mesma
época do Mashiach, o filósofo judeu Filo de Alexandria (25 A.C a 50 D.C)
escreveu:
“A palavra de um
homem bom... deveria ser um juramento, firme, inabalável, completamente livre
de falsidade, firmemente plantado na verdade”
(Decálogo, 84).
Por sua vez, o
Judaísmo essênio apregoava lição parecida com a de Yeshua:
“Não jurará pelo Álef
e o Lamed, nem pelo Álef e o Dálet”
(Regra de Damasco,
Col.XIV, 1).
Álef e Lamed são as
letras hebraicas que formam a palavra “EL”, o ETERNO; por vez, Álef e Dálet são
as iniciais de “ADONAI” (= Meu SENHOR). Ou seja, os essênios de Qumran também
não recomendavam que fossem proferidos juramentos usando o nome do ETERNO.
O historiador Flávio
Josefo, que viveu no primeiro século, escreveu acerca da abstenção de
juramentos por parte dos essênios:
“... e cumprem tão
inviolavelmente o que prometem que se pode prestar fé às suas simples palavras,
como a juramentos. Eles os consideram mesmo como perjúrios, porque não podem
crer que um homem não seja um mentiroso quando tem necessidade, para que nele
se creia, de tomar a Deus por testemunha.”
(História dos
Hebreus, CPAD, 8ª edição, página 1130).
Pensavam os essênios
que a palavra de um homem tinha a força obrigatória de um juramento, razão pela
qual seria desnecessário invocar o nome do ETERNO. De forma semelhante esta
questão é tratada no Talmud, em uma passagem em que os rabinos discutem se um
contrato verbal teria força obrigatória entre as partes, ou seja, se a simples
palavra deveria ser cumprida. Verifique a conclusão no Tratado de Bava Metsia:
“O rabino Yosef filho
de Yehudá disse: ... é para ensinar-lhe que o seu ‘sim’ deve ser apenas [sim] e
que seu ‘não’ deveria ser apenas [não]. Abaye disse: Isso significa que não se
deve falar uma coisa com a boca e outra com o coração.”
(Talmud Bavli, m.Bava
Metsia, 49a).
Logo, a docência de
Yeshua sobre os juramentos é compatível com a interpretação do Judaísmo antigo,
firmada na Torá.
E) A questão do “olho
por olho, dente por dente”
“Ouvistes que foi
dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo
que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita,
oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser
pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa.”
(Matityahu/Mateus
5:38-40)
Realmente existe na
lei mosaica a cláusula do “olho por olho, e dente por dente”:
“Olho por olho, dente
por dente, mão por mão, pé por pé,
Queimadura por
queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.”
(Shemot/Êxodo
21:24-25).
Aqueles que são
contra a Lei do ETERNO afirmam: “Yeshua anulou a Lei, pondo fim à crueldade
desta, que preconizava olho por olho e dente por dente”. O primeiro erro desta
colocação está na incompreensão do que significa “olho por olho e dente por
dente”. Equivocadamente, pensam os cristãos que na época de Moisés o ETERNO
autorizava que alguém arrancasse o olho do outro, em pleno ato de selvageria.
“Olho por olho e
dente por dente” não pode ser interpretado literalmente, pois se trata de uma
expressão idiomática que simplesmente quer dizer: se alguém cometer um dano
contra outrem, deverá compensá-lo por meio de uma indenização proporcional ao
prejuízo. Em outras palavras, se em uma briga X arranca o dente de Y, este
último terá direito a receber uma compensação financeira correspondente ao dano
injustamente sofrido.
Atente para o
entendimento rabínico:
“Segundo o Talmud, na
verdade, o Legislador não quis dizer ‘olho por olho’, e aqui vamos dar dois
exemplos para demonstrar que sua aplicação nem sempre é possível. Supondo que
Simão tenha só um olho e que, numa briga com Rubem, este o tire, ficando Simão
completamente cego, não se faria justiça tirando um olho de Rubem; o castigo
seria insuficiente, pois cegou completamente um homem e ele (o que cegou) não
ficou cego. Vejamos o caso contrário: Simão, que tem um olho só, tria um olho
de Rubem. Se, para castigar Simão, Rubem lhe tira o seu único olho, ele ficará
cego, e desta forma o castigo não terá a mesma proporção do delito, porque
Simão não cegou completamente Rubem. Por tanto, essa lei chamada de ‘Lei de
Talião’ não tem o sentido que se lhe atribui, senão que é uma questão
de danos e prejuízos, na qual aquele que danifica sofre ou paga segundo o
critério dos juízes.”
(Torá - a Lei de
Moisés, sefer, 2001, página 222).
Em sentido idêntico
ensina o historiador Geza Vermes:
“É quase
desnecessário lembrar que no ensinamento pós-bíblico, Ex 21,24 não era interpretado
literalmente como exigindo que um dano correspondente fosse infligido à pessoa
culpada de causar injúria corporal. Uma vingança sangrenta era
substituída por uma compensação monetária judicialmente estabelecida.
Josefo conhecia este procedimento (Ant.iv. 280), e este princípio é
pressuposto naMishná (cf. mBQ 8,1). A Mekhiltade Ex
21,24 (III, 67) equaciona simplesmente ‘olho por olho’ com mamon, isto é
(olho-) dinheiro (sic). Os Targums palestinianos
oferecem uma paráfrase muito clara: ‘O valor de um olho por um olho; o valor de
um dente por um dente; o valor de uma mão por uma mão; o valor de um pé por um
pé’, etc.”
(A religião de
Jesus, o Judeu, Imago, 1995, páginas 40 e 41).
De posse deste
conceito, releia as palavras do Mashiach em Mt 5:38-40 e perceberá que este
ensinou que seus discípulos, quando injustiçados por alguém, não deveriam
exigir a compensação financeira do dano sofrido, mas sim “oferecer a outra
face”, isto é, demonstrar bondade a seus devedores e nunca buscar a vingança.
Destarte, Yeshua não
aboliu o sistema judicial de reparação de danos (“olho por olho”), mas
recomendou que seus talmidim não buscassem se vingar de seus ofensores, tal
como diz a Torá:
“Não te vingarás nem
guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Eu sou YHWH.”
(Vayikrá/Levítico
19:18).
Segue o mesmo vetor o
magistério do rabino John Fischer:
“O ponto de Yeshua
aqui enfatizado é a resposta adequada para o insulto de ‘levar um tapa na
cara’. Uma pessoa não deve buscar a reparação ou retaliação, mas suportar o
insulto humildemente. Com isso, os rabinos concordaram e aconselham que quem
recebeu um golpe na face deve perdoar o ofensor, mesmo que ele não peça perdão
(Tosefta Baba Kamma 9:29f). O Talmud elogia a pessoa que aceita ofensa sem
retaliação e se submete ao sofrimento e ao insulto alegremente (Yoma 23a)”
(Jesus through
jewish eyes: a Rabbi examines the life and teachings of Jesus, Rabbi John
Fischer).
Aliás, o dar a outra
face não é uma inovação de Yeshua, pois tal ensino já consta do Tanach
(Primeiras Escrituras):
“Dê a sua face ao que
o fere; farte-se de afronta.”
(Eichá/Lamentações
3:30)
Comprova-se, pois,
que o Mashiach não anulou a Torá, mas lhe teceu lições com fundamento nas
Primeiras Escrituras.
F) A questão do amor
aos inimigos
“Ouvistes que foi
dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo:
Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos
odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos
do vosso Pai que está nos céus.”
(Matityahu/Mateus
Mateus 5:43-44).
Ao ler este texto,
teólogos desavisados afirmam que a Torá ensinava tanto o amor ao próximo como o
ódio aos inimigos, e que Yeshua veio para mudar este panorama, lecionando que
seus discípulos amassem a todos, inclusive os inimigos. Eis o erro destes
teólogos: a Torá do ETERNO determinou o amor a todos os homens, e nunca prescreveu
o ódio aos inimigos. O ódio não vem da Torá, mas de religiosos que
deturparam as palavras de YHWH.
Cita-se o que a Torá
receita sobre o amor e o ódio:
“Não guardem ódio
contra o seu irmão no coração; antes repreendam com franqueza o seu próximo
para que, por causa dele, não sofram as consequências de um
pecado.
Não procurem
vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um
o seu próximo como a si mesmo. Eu sou YHWH.
(...)
O estrangeiro
residente que viver com vocês deverá ser tratado como o natural da terra. Amem-no
como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou YHWH,
o Elohim de vocês.”
(Vayikrá/Levítico
19:17,18 e 34).
Comprovou-se acima
que a Torá ensina amar o próximo como a si mesmo e proíbe o ódio, razão pela
podemos voltar às palavras de Yeshua e fazer as seguintes interpolações entre
colchetes:
“Ouvistes que foi
dito: Amarás o teu próximo [tal como consta da Torá em Lv 19:18 e 34], e
odiarás o teu inimigo [este ‘mandamento’ não está na Torá].
Eu, porém, vos digo:
Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos
odeiam ... [porque estas regras decorrem das Escrituras: Lv 19: 34, Pv
20:22]” (Matityahu/Mateus Mateus 5:43-44).
A instrução de Yeshua
sobre o amor ao próximo, extraída da Torá, se assemelha com o ensino farisaico
do rabino Hilel (60 A.C a 9 D.C), que apregoou o amor a todos os seres humanos,
inclusive aos inimigos. Compulse a Mishná:
“Hilel dizia:
procurai ser como os discípulos de Aharon [Aarão], amai a paz, procurai a
paz, amai as pessoas e aproximai-as da Torá.”
(Avot 1:12)
Segundo Filo de
Alexandria, o judaísmo praticado pelos essênios também enfatizava o amor:
“Nisso usam uma regra
e uma definição tríplice, isto é: amor a Deus, amor à virtude e amor à
humanidade”
(Philonis Opera,
Ed. Mangey, London, 1742).
Assim, o professorado
de Yeshua sobre o amor ao próximo como a si mesmo possui respaldo na Torá (Lv
19:18), e recebeu desenvolvimento doutrinário em período anterior à vinda do
Mashiach, destacando-se as lições da Escola de Hilel e do Judaísmo essênio.
Destarte, após a investigação
das seis pseudo contradições do magistério de Yeshua, chega-se ao seguro
entendimento de que as palavras do Mashiach não violaram a Lei de Moisés, e sim
a explicaram de acordo com a melhor doutrina do Judaísmo do período do Segundo
Templo.
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